RECURSOS ESPECIAIS. ELEIÇÕES 2016. CANDIDATOS. PREFEITO. VICE–PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. CONDUTA VEDADA A AGENTES PÚBLICOS.
1. Recursos especiais interpostos contra acórdãos prolatados pelo TRE/RJ (o segundo por maioria de quatro votos a três) por meio dos quais se reformou a sentença para acolher os pedidos na Ação de Investigação Judicial Eleitoral e declarar inelegíveis os dois primeiros recorrentes, além de aplicar multa a eles e à coligação, por abuso do poder político e econômico e conduta vedada a agentes públicos (arts. 22 da LC 64/90 e 73, II, da Lei 9.504/97).
2. A condenação fundou–se no suposto uso eleitoreiro do plano estratégico “Visão Rio 500”, atualizado em 2016, com o intuito de favorecer a candidatura de Pedro Paulo Carvalho Teixeira – titular da pasta responsável pelo projeto e sucessor político do então Prefeito Eduardo Paes – ao pleito majoritário no Rio de Janeiro naquele ano, em que alcançou, ao final, a terceira colocação. OMISSÕES E CONTRADIÇÕES. INEXISTÊNCIA.
3. O TRE/RJ se manifestou sobre: a) o benefício eleitoral; b) as circunstâncias da divulgação do projeto; c) o desvio de finalidade quanto ao art. 107–A da lei orgânica; d) a gravidade dos fatos. DECISÃO SURPRESA. ART. 10 DO CPC/2015. PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA. ELEMENTOS FÁTICOS E DOCUMENTAIS INÉDITOS. NULIDADE.
4. A teor do art. 10 do CPC/2015, “o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.
5. A vedação à “decisão surpresa” consolida as garantias do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, da Constituição Federal) e robustece princípios inerentes à atividade jurisdicional no Estado Democrático de Direito – boa–fé objetiva, proteção da confiança, isonomia e cooperação entre os sujeitos do processo. Deve o magistrado decidir a causa com base em fundamento jurídico (circunstância de fato qualificada pelo direito) sobre o qual as partes puderam, de modo efetivo, discorrer. Precedentes.
6. Os pedidos e a causa de pedir devem ser interpretados estritamente, não podendo ser alargados de modo a incluir, na condenação, aquilo que não foi seu objeto ou discutido nos autos, sob pena de afronta ao princípio da congruência. Precedentes.
7. Aduziu–se o ilícito na inicial apenas pelo uso, por Pedro Paulo, do “mesmo plano estratégico como plano de governo” nos autos do seu registro de candidatura. O TRE/RJ, porém, sem observar o contraditório, também sopesou outros fundamentos: a) promoção pessoal quando da atualização e divulgação do projeto, com anuência de Eduardo Paes, como noticiou a imprensa; b) desvio de finalidade, pois o art. 107–A da lei orgânica prevê até 180 dias, contados da posse, para se elaborar o plano estratégico, ao passo que, no caso, sua revisão ocorreu no penúltimo ano do mandato, com cerimônia de lançamento em 2016.
8. Esses aspectos assumiram contornos decisivos na Corte a quo, assentando–se que “a reunião desses fatos, sua repercussão e sua análise no contexto eleitoral do Estado do Rio de Janeiro […] comprova a gravidade”. É de se reconhecer, portanto, a nulidade. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DO MÉRITO. PROVAS FRÁGEIS. PRESUNÇÕES QUANTO AOS FATOS. REENQUADRAMENTO JURÍDICO. ABUSO DE PODER. CONDUTA VEDADA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS.
9. “Em sede de AIJE com fundamento em abuso de poder econômico, é imprescindível a demonstração: (i) da gravidade das condutas reputadas como ilegais, de modo a abalar a normalidade e a legitimidade das eleições; e (ii) do efetivo benefício ao candidato (embora não se exija a comprovação da participação direta ou indireta do candidato ou seu conhecimento)” (RO 1803–55/SC, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 14/12/2018). Ademais, descabe assentar o abuso por meras presunções acerca do encadeamento dos fatos, além do que eventuais ilícitos sob a ótica unicamente administrativa devem ser apurados em sede própria. Precedentes.
10. O quadro probatório contido nos arestos limita–se a notícias da imprensa envolvendo Pedro Paulo e o “Visão Rio 500” (trazidas pelo Relator), informe do sítio da Prefeitura sobre a cerimônia relativa ao plano estratégico e documentação do projeto. Não se ouviram testemunhas e nem se produziram outros documentos.
11. O TRE/RJ firmou o abuso em três aspectos: a) uso do “Visão Rio 500” como proposta de plano de governo de Pedro Paulo nos autos do processo de registro; b) promoção pessoal quando titular da pasta responsável pelo projeto, com anuência de Eduardo Paes; c) desvio de finalidade quanto ao art. 107–A da lei orgânica, que prevê 180 dias, contados da posse, para sua elaboração.
12. No que toca ao mero aproveitamento do plano estratégico nos autos do registro, não se demonstrou minimamente como esse ato isolado se traduziu em uso indevido do cargo (poder político) ou de recursos (poder econômico) para auferir dividendos eleitorais, condições sine qua non do abuso. Não se produziram provas – trechos do horário eleitoral gratuito, cópias de propaganda, postagens na internet, atuações em debates, oitiva de testemunhas – que demonstrassem que Pedro Paulo promoveu–se às custas do projeto, que, aliás, era acessível na internet por qualquer pessoa, inclusive por pré–candidatos, que poderiam em tese incorporá–lo ou adaptá–lo às suas propostas ou tecer críticas a seu respeito.
13. Incabível, a partir somente de matérias jornalísticas, assentar a promoção pessoal à época da atualização e do lançamento do projeto ou a anuência de Eduardo Paes. Precedentes. Reportagem com juízo de valor de que “Paes quer aproveitar a oportunidade para associar Pedro Paulo à figura de um bom gestor que cuidará bem do município, caso seja eleito”, sem nenhuma prova que a corrobore, é imprestável para condenação por abuso de poder.
14. Colhe–se do informe, no sítio eletrônico da Prefeitura, que Pedro Paulo se limitou a “explicar o plano estratégico e as aspirações até 2065” e a afirmar que “esse documento […], ao longo dos anos, poderá receber novas contribuições”, sem qualquer referência às eleições vindouras, tratando–se, ainda, de projeto de longo prazo.
15. Inexistindo conotação eleitoral, descabe examinar, nesta seara, o suposto desvio de finalidade quanto ao art. 107–A da lei orgânica. Além disso, não se apontou, quanto a Eduardo Paes, qual foi sua efetiva participação, não bastando, para tanto, ser à época o chefe do Executivo e ter assinado o contrato.
16. Prejudicada, também, a controvérsia sob a ótica do art. 73, II, da Lei 9.504/97 (uso de “materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram”). De todo modo, a teor da jurisprudência, a afronta a esse dispositivo há de ser direta, na própria origem do ato, o que não pode ser presumido pela mera assinatura de um contrato.
17. Princípio da eventualidade: os fatos, ainda que ilícitos, não teriam gravidade (art. 22, XVI, da LC 64/90) ante as circunstâncias do caso. Ademais, embora o resultado das urnas seja incapaz por si só de atrair ou afastar o abuso, Pedro Paulo alcançou apenas o terceiro lugar, com meros 16,12% dos votos, o que reforça ser inexpressiva a conduta para fins eleitorais.
CONCLUSÃO
18. Recursos especiais providos para restabelecer a sentença.
(TSE – REspEl: 170594 RIO DE JANEIRO – RJ, Relator: Min. Luis Felipe Salomão, Data de Julgamento: 02/02/2021, Data de Publicação: 03/03/2021)